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Reação ao desmonte da participação: a campanha O Brasil Precisa de Conselho

O ambiente de ameaças à participação institucional e ao ativismo de forma geral começa já no governo Temer, mas se acentua com o atual governo. Desde que tomou posse, foram muitas as declaração e ações do governo visando enfraquecer a participação social e suas conquistas. E foram também muitos os grupos que se levantaram em resistência. Na academia, um grupo de pesquisadores do campo da participação e dos movimentos sociais buscou se articular para responder ao desmonte. Dentre as ações destaca-se a campanha “O Brasil Precisa de Conselho”. Neste texto, recupera-se este processo de articulação e mobilização, chamando a atenção para algumas datas e ações marcantes. Por Carla Giani Martelli (UNESP) e Luciana Tatagiba (UNICAMP).

Em 3 de dezembro de 2018 foi publicada uma matéria no Jornal “O Globo”:“Equipe de Bolsonaro estuda limitar atuação de conselhos nacionais de políticas públicas”. Um coletivo de pesquisadores, que há décadas mantém interlocução nos espaços acadêmicos, se organizou e definiu coletivamente duas frentes de ação: 1- Manifestações públicas contra o desmonte dos conselhos nacionaiscom o objetivo de ativar redes nacionais e internacionais em defesa dos conselhos; 2- Criação de um site- vinculado ao sitedo “Encontro Internacional de Democracia, Participação e Política Públicas” (hoje em sua 4ª edição) - que funcionasse como um espaço de resistência, articulação da rede de pesquisa e lócusde experimentação de novas formas de diálogo com a sociedade. 

No dia 01 de janeiro de 2019 foi publicada, no primeiro Diário Oficial da União,a Medida Provisórianº 870, que determina, entre outras revogações e supressões, a extinção do CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável). A extinção desse Conselho intensificou a vontade de reação do grupo que passou a incluir mais pesquisadores e pesquisadoras de diversas instituições e estados brasileiros. 

O que fazer: cartas e manifestos? Abaixo-assinado? Será que funcionam? Partindo da compreensão de que publicar textos na imprensa de grande circulação poderia ser mais efetivo, essa rede de pesquisadores abriu espaço na mídia alternativa e hegemônica e publicou, entre março e julho de 2019, 16 textos de intervenção. 

No dia 26 de março surge a ideia de gravação de vídeos falando daimportância dos conselhos para o aprimoramento das políticas públicas e da democracia, e a campanha ganha o nome de  #OBrasilprecisadeConselho.O objetivofoi mobilizar os pesquisadores da área em defesa dos conselhos e da participação. Considerando o conhecimento acumulado ao longo do tempo, foi pedido para cada pesquisador responder à pergunta:por que o Brasil precisa de conselhos? A partir do material enviado (25 vídeos no total) foram elaboradas quatro peças de aproximadamente dois minutos, sendo que cada uma delas explorou uma "resposta":

Peça 1- Porque a democracia vai além do voto.

Peça 2- Porque os conselhos são aliados no combate à corrupção. 

Peça 3- Porque os conselhos são importantes na defesa dos direitos das minorias. 

Peça 4- Porque os conselhos melhoram a qualidade das políticas públicas. 

No processo de preparação dos vídeos, vem o Decreto n.9.759, de 11 de abril que extingue vários colegiados da administração pública federal e revoga o Decreto 8.243/2014 que institui a Política e o Sistema Nacional de Participação Social

No dia seguinte, foi lançada a página da campanha #OBrasilPrecisadeConselhono facebook. Atualmente a página tem 3078 seguidores.

No dia 16 de abril foi ao ar o primeiro vídeo,divulgado pelas redes como#participação para a #democracia. Nossos sonhos não cabem nas urnas. Acabar com os conselhos é enfraquecer a nossa Democracia. #OBrasilprecisadeConselho #DemocraciaSim #Participaréumdireito. O vídeo teve 12 mil visualizações até o momento. O segundo vídeo foi ao ar dia 29 de abril; o terceiro no dia 13 de maio e o quarto dia 12 de junho. 

Nos dias 25 e 26 de abril a UNB hospedou um evento organizado pela Área Temática “Participação Política” da ABCP. O evento foi intitulado “A interação Estado e Sociedade nas políticas públicas: desafios da agenda de pesquisa sobre participação e democracia no Brasil” e reuniu vários pesquisadores de diversas regiões do país, cumprindo duas funções primordiais: 1) acolher um campo assustado e preocupado com a velocidade do desmonte das políticas de participação; 2) provocar uma reflexão crítica sobre os rumos a tomar, reforçando os laços entre os participantes. As reflexões foram preciosas e novas ações foram pensadas a partir de então, como um próximo Encontro no segundo semestre de 2019 e a elaboração de um livro que reflita o debate atual do campo.

No dia 7 de maio foi publicado o Decreto n.9784com a lista de 55 colegiados extintos. E a campanha #OBrasilprecisadeConselho” se intensificou com estratégias de atuação junto ao legislativo, ao judiciário, com presença na mídia, publicação de artigos nos jornais de grande circulação, articulação com outros grupos e movimentos sociais, etc. 

Nova notícia no dia 29 de maio: alteração na composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) com o aumento da presença do poder governamental de 29% para 44% e diminuição da representação da sociedade civil (de 22 assentos para 4); além disso, os representantes, antes escolhidos por eleição, passam a ser escolhidos por sorteio. O Instituto Chico Mendes de conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Agencia Nacional de Águas (ANA) deixam de integrar o Conama. No dia 31 de maio foi publicado novo Decreto, n. 9.812, que altera o Decreto nº 9.759 como tentativa de consertar alguns vícios formais questionados pelos Poderes Judiciário e Legislativo.

Em 4 de junho, foi incluída na campanha #OBrasilprecisadeConselho, a Campanha  #EsteéomeuConselho com chamada para depoimentos de conselheiros com o objetivo de dar visibilidade a histórias de construção de políticas e conquistas realizadas pelos conselhos espalhados por todo o território nacional. Registra-se uma quantidade enorme de depoimentos (de conselheiros de diferentes recantos do Brasil, com formação, idade, raça, filiação partidária muito diferentes, mas que traziam em comum as importantes conquistas dos conselhos aos quais estavam vinculados). O campo ganhou um material muito rico com esses depoimentos. Todos estão disponíveis na página no youtube.

Ainda no dia 4 de junho foi inaugurada a Plataforma Democracia & Participação. Dois objetivos principais orientaram a elaboração dessa plataforma: 

1) difundir o conhecimento produzido pelo campo para um público mais amplo, de forma a intervir com qualidade no debate público; 

2) atuar de forma coletiva em defesa dos direitos à participação e à democracia, contra a criminalização dos movimentos sociais e contra os ataques aos direitos das minorias. 

No item “quem somos” da Plataforma lê-se: “Nesse momento de ameaças aos valores democráticos e à universidade pública buscamos exercitar um diálogo mais estreito entre a academia e a sociedade, a partir de uma estratégia de divulgação científica orientada para a incidência na esfera pública em defesa do direito à participação nas ruas e nas instituições”. Até este momento, 50 grupos de pesquisa compõem a rede. Há quatro principais formatos para a produção de conteúdo na Plataforma: 

  1. Radar da Participação: tem como objetivo identificar ameaças e resistências ao direito à participação e ao ativismo, no contexto de ascensão da extrema direita. Busca em linguagem simples e direta, trazer as informações mais recentes, contextualizando-as a partir do acúmulo teórico e empírico da área.
  2. Direto ao PontoVocê por dentro da Pesquisa: tem como objetivo divulgar as pesquisas e produções acadêmicas em vídeos ou áudios de aproximadamente 1 minuto.
  3. Caminhos e Encontros: busca estimular reflexões sobre as relações que estabelecemos com as pessoas ao longo dos nossos percursos de pesquisa ou das práticas de extensão e os resultados desses processos. 
  4. Opinião:discute temasatuais e relevantes para o ativismosem um formato previamente definido. 
      

      Todo o conteúdo é produzido pelos integrantes da rede. Além desses formatos, o sitetambém repercute notícias e um vasto material publicado pelos pesquisadores em jornais e revistas. 

      O dia 12 de junho foi um dia importante: foi o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da ação apresentada pelo PT (ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade- 6.121) que argumenta ofensa aos princípios republicanos, democráticos e da participação popular do Decreto n. 9.759 da Presidência da República. A maioria no STF votou contra o Decreto no que diz respeito à extinção de conselhos que tenham amparo em lei. Enquanto isso, a campanha esquentava: cards, posts, manifestos, depoimentos, vídeos, matérias, foram sendo divulgados na página do facebook.Os Seminários e Encontros organizados nas várias instituições Brasil afora conectaram-se à campanha #OBrasilprecisadeConselho colocando o símbolo da campanha em seus cartazes.

            Em 24 de junho foi publicada a Edição1 do Boletim Democracia e Participação, enviada por e-mail a todos os cadastrados na Plataforma Democracia e Participação(até o momento são 2092 e-mails cadastrados). Na Newsletter explica-se “Quem Somos”, fala-se da campanha #OBrasilprecisadeConselho, da campanha #EsteéomeuConselho; há ainda um “Radar da Participação”, que na primeira edição trouxe uma matéria sobre a luta do setor da Assistência Social para realizar sua Conferência Nacional e seus desdobramentos. A segunda edição do Radar trouxe um debate sobre políticas referentes à temática LGBT+, e a mais recente edição repercute a Marcha das Margaridas.

            Em 31 de julho, foi criada a página Democracia & Participação no instagramcom o objetivo de atingir um público mais jovem. Em 02 de agosto, a rede lançou uma nova campanha “Pelo Eca no Conselho Tutelar”. O objetivo dessa campanha é estimular a participação nas eleições para os conselheiros tutelares fortalecendo as candidaturas comprometidas com o Eca. Desta vez, estão sendo colhidos depoimentos de conselheiros tutelares que são convidados a contar sua experiência e a explicar a importância dos conselhos tutelares para a salvaguarda dos direitos das crianças e adolescentes. Essa campanha se estenderá até 06 de outubro, data da eleição. Outras ações poderão ser pensadas com o objetivo de resguardar a participação social, conquista importante da democracia brasileira, como comprova o imenso material de pesquisa acumulado pela área nas últimas três décadas.
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