Opinião

A Revolta Indígena em andamento no Equador. Contra o “pacotaço”, o FMI e os governos ruins*

Até hoje, praticamente toda a cordilheira equatoriana está paralisada pela obstrução de estradas por parte das comunidades indígenas e camponesas. Da mesma forma, na região amazônica a paralisia é total e com força no centro-norte. O movimento indígena e popular (CONAIE, Frente Popular, Frente Unitária de Trabalhadores e Estudantes, entre outros) exige a revogação imediata do “pacotaço”, rejeita a política extrativista deste e do anterior governo nos territórios indígenas e a volta dos direitos trabalhistas de toda a população equatoriana. Por Inti Cartuche Vacacela.

Original publicado aqui. Tradução de Humberto Meza, para a Rede Democracia e Participação

O governo de Lenin Moreno emitiu um pacote de medidas econômicas que incluem a eliminação de subsídios, a liberação dos preços da gasolina e um pacote de reformas trabalhistas contrárias aos trabalhadores, de acordo com os requisitos do FMI (Fundo Monetário Internacional).

Essas medidas afetam direta e indiretamente as condições de vida dos diversos povos e trabalhadores do Equador. Candidato pelo correísmo em 2017, ele tem tornando visível de forma progressiva sua aliança com a antiga oligarquia do país e aceitando políticas claramente neoliberais, já previstas no governo de Rafael Correa (privatizações sob a figura de Parceria Público Privada, flexibilização do trabalho etc), que, no entanto, adquiriram neste regime uma clareza inegável: continuação do extrativismo, demissões de trabalhadores e política anti-trabalhadores, aprofundamento de privatizações, patrocinado pelo Fundo Monetário Internacional.

Diante do chamado “pacotaço” implementado pelo governo e pelo FMI, os movimentos indígenas e populares estão se levantando fortemente e chamaram a Greve Geral e Levantamento Indígena. As mobilizações começaram a partir do 03 de outubro no nível nacional e, até o momento, praticamente toda a cordilheira está paralisada pela obstrução de estradas por parte das comunidades indígenas e camponesas. Da mesma forma, na região amazônica a paralisia é total e com força no centro-norte. O movimento indígena e popular (CONAIE, Frente Popular, Frente Unitária de Trabalhadores, Estudantes, entre outros) exige a revogação imediata do “pacotaço”, rejeita a política extrativista deste e do anterior governo nos territórios indígenas e a volta dos direitos trabalhistas de toda a população equatoriana.

O estado respondeu, desde o primeiro dia, com brutal repressão e declarou o estado de exceção, ameaçando até usar toda a força necessária. No entanto, o movimento indígena e as comunidades munidas pela autodeterminação e o Estado Plurinacional também declararam um estado de exceção em seus territórios direcionados aos militares e policiais que tentam entrar em seus territórios. Até o momento, existem mais de 50 militares retidos pelas comunidades em várias partes do país e as estradas ainda estão bloqueadas. Algumas organizações e comunidades nas terras altas do norte - Imbabura e Cayambe - e Cotopaxi - ao sul de Quito - decidiram avançar até a capital.

Trata-se de uma insurreição e greve nacional que está alcançando dimensões não vistas em quase uma década, embora seja interessante notar que o movimento indígena manteve a mobilização no governo Correa. No entanto, não é apenas o movimento indígena – mesmo que, gostemos ou não, seja este a espinha dorsal da luta popular no Equador – mas aderiram também camponeses, estudantes universitários, trabalhadores e movimentos de mulheres. É uma mobilização da sociedade inteira.

O descontentamento com a classe política é generalizado no país, devido à desigualdade social aprofundada no governo Moreno, e novamente, devido à maneira tradicional de lidar com a política estatal e os governos - corrupção, autoritarismo, engano e populismo - que empobreceram a maioria das pessoas, de mãos dadas com o FMI. Embora existam certos líderes correistas dentro da mobilização (produto do conflito e da ruptura interna da Alianza País) que estão tentando direcionar a mobilização aos seus interesses particulares, organizações indígenas e populares disseram claramente “Nem Moreno, Nem Correa; Nem Nebot, nem Lasso; A luta pertence ao povo”, deixando clara sua posição e liderança política neste momento. A saída não é simplesmente voltar ao correismo - como seus partidários querem ver - nem ficar do lado da direita neoliberal tradicional do país. A saída é a organização popular e comunitária que, após mais de uma década de repressão estatal, está se rearticulando contra o FMI, a classe política e suas medidas antipopulares e anticomunitárias. É contra uma forma de governo que historicamente anulou a grande maioria da população das decisões importantes que afetam a sociedade ou as manipulou para seus projetos políticos específicos.

A revolta em marcha e a greve nacional lembram os grandes dias de luta, nos anos 90, que enfrentaram o neoliberalismo e que, finalmente em 2006, abriram as possibilidades de uma transformação histórica no Equador que levou ao correismo em seus inícios, mas desperdiçado e neutralizado por esse governo. Felizmente, a mobilização atual não apenas derrubará o pacote de medidas do governo, mas também abrirá um novo período de mobilização autônoma da sociedade, com potencialidade de se afastar do populismo e caudilhismos e avançar para a construção de um projeto plurinacional que envolva, acima de tudo, a autodeterminação social não apenas das comunidades - que continuam a exercê-la de fato, e é vista com a declaração do estado de exceção nas comunidades - mas também nas organizações das cidades, nos bairros, sindicatos e coletivos de mulheres, para que a sociedade como um todo possa conduzir seu destino com seus próprios corpos e projetos e, a partir daí, pensar em atuar de frente, com e ou no estado.

Esperamos que, a partir das lições aprendidas nos anos 90, durante as lutas contra o neoliberalismo e a classe política, desta vez possamos ir além de derrubar, ora um pacote de medidas, ora um governo, e abrir um novo momento de lutas que transformarão profundamente as estruturas de dominação que nos submetem, para que desta vez não digamos "vencemos, mas perdemos".

Puebla, 07 de Outubro de 2019

* Sociólogo equatoriano Kichwa, militante do movimento indígena.
** Original publicado por Zur Pueblo de Vozes
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